terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Os Casos Greber e Thompson

 
Johannes Greber, ex-padre e espírita foi, por décadas, um padre católico até que, por volta dos 48 anos de idade, teve uma experiência mística que o impeliu na direção do espiritismo. Seu depoimento acha-se registrado em A Sentinela de 1/10/1956, p. 187, parágrafos 10 e 11:
Repare o leitor a riqueza de detalhes com que a Sociedade Torre de Vigia descreve a trajetória de Greber, deixando bem claro qual a fonte de 'inspiração' dele em sua tradução do Novo Testamento. Conforme vemos no cabeçalho desse artigo, C. T. Russell - em uma edição de 1879 de sua revista Zion´s Watch Tower - disse, "uma verdade apresentada por Satanás é tão verdadeira quanto uma verdade declarada por Deus... Aceite a verdade onde quer que a encontre...". Trata-se de uma concepção de 'verdade' bastante incomum para um cristão. Até porque as Escrituras contêm relatos sobre Satanás falando ocasionalmente a verdade, porém sempre distorcendo-a com propósitos nefastos. Por exemplo, Lucas 4: 10 mostra o diabo citando de forma verdadeira o Salmo 91: 12, de modo a desencaminhar Jesus Cristo. Talvez os sucessores de Russell tenham se inspirado na filosofia de seu mestre de uma forma inesperada.
Cerca de seis anos após ter seus dados biográficos publicados em A Sentinela, J. Greber voltaria a freqüentar a literatura das Testemunha de Jeová, dessa vez, não pejorativamente, mas como uma autoridade em grego - evocada para dar apoio à forma da Sociedade Torre de Vigia traduzir o texto bíblico de João 1:1 em sua versão das escrituras, a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas (TNM), lançada na década de 50. Alvo de severas críticas por parte de muitos peritos em línguas mortas, seus editores puseram-se em busca de apoio para ela em tantas versões quanto possível, algumas vezes com o prejuízo da respeitabilidade das fontes escolhidas, no que diz respeito à sua erudição. A edição de 15/9/1962 de A Sentinela, p. 554 (em inglês), cita Greber como se ele fora um perito respeitável. Também nesse ano, a publicação A Palavra - Quem é Ela de acordo com João, p. 5, confirmaria este mesmo ponto de vista. Vejamos, agora, o que diz a publicação Certificai-vos de Todas as Coisas..., lançada em português em 1970 (1965, em inglês), p. 487:
No texto acima, a obra de Greber - The New Translation and Explanation - é citada como apoio para a TNM na controversa passagem do evangelho de João. Obviamente, a organização o citou por ele ser anti-trinitarista - uma postura em comum com as Testemunhas de Jeová - desconsiderando a fonte da qual Greber obtinha sua interpretação das escrituras. Esta não foi a última vez que a organização recorreu a ele. No livro Ajuda ao Entendimento da Bíblia, lançado em português em1983 (1971, em inglês), p. 1245, lemos:
"Uma tradução feita pelo ex-sacerdote católico romano, Johannes Greber (ed. 1937) traduz a segunda ocorrência da palavra 'deus' na sentença como 'um deus'."
A obra Ajuda... nada mais é do que a sucessora da publicação Certificai-vos..., agora na forma de um extensivo dicionário bíblico, como seu lançamento noticiado na mídia. Era de se esperar que seus editores tivessem revisado detidamente a publicação anterior, de modo a incluir novas referências e a checar as antigas. Em outras palavras, a obra mais recente propunha-se a ser, em todos os sentidos, o aprimoramento da primeira. Seria uma oportunidade para os editores redimirem-se de qualquer equívoco. Mas não foi assim - a referência a uma obra reconhecidamente 'psicografada', o Novo Testamento de Greber, permanecia em voga, remetendo-nos aos tempos em que a revista A Idade de Ouro - sob a supervisão de Clayton Woodworth - recomendava a leitura de Anjos e Mulheres. Entretanto a história ainda não havia terminado...
Em uma seção Perguntas dos Leitores de A Sentinela de 1/10/1983, p. 31, vemos uma interessante explicação:
"Por que, nos últimos anos, A Sentinela não tem feito uso da tradução feita pelo ex-sacerdote católico, Johannes Greber?
A justificativa acima poderia ser plausível, caso a própria organização não tivesse - como vimos - publicado, em 1956, o conteúdo do prefáácio da edição de 1937, onde Greber deixava claro que sua obra era 'psicografada'. Além disso, o primeiro uso da tradução dele distava apenas seis anos desde a primeira referência a ela, com as publicações de 1962, 1965 e 1971, tendo vigorado por cerca de duas décadas. Agora a organização menciona o prefácio da edição de 1980, como se jamais tivesse tido conhecimento daquela de 1937. Mas isso não foi tudo...
Em 20 de dezembro de 1980, a Sociedade Torre de Vigia enviou uma correspondência em papel timbrado, endereçada à Fundação Memorial Johannes Greber, confirmando o recebimento do Novo Testamento - edição de 1980 - e do livro Comunicação com o Mundo Espiritual de Deus, mencionado no artigo de 1956. Estranhamente, a mesma organização enviou a uma irmã de nome Helen McAllister - a qual havia solicitado o endereço da fundação acima mencionada - outra correspondência, datada de 21 de setembro de 1981, na qual afirma dispor apenas do endereço antigo, disponível na edição de 1937. Em 27 de setembro de 1982, outro leitor, Kurt Goedelman, enviou uma carta à organização expondo o caráter público e notório dos trabalhos mediúnicos de Greber, desde a década de 30, e confrontando a organização com o fato de ela fazer uso do Novo Testamento dele desde os anos 60. Nenhuma resposta chegou às suas mãos...
Recapitulemos os fatos até aqui:
Em 1956, a Sociedade Torre de Vigia lança uma matéria informando que o Novo Testamento de Greber - edição de 1937 - era uma obra 'psicografada', pois o autor era um médium espírita declarado.
Apenas seis anos mais tarde, em 1962, menciona sob luz favorável a obra dele - em A Sentinela e em um folheto - pois harmoniza-se com a tradução de João 1: 1 feita pelas Testemunhas de Jeová.
Em 1965, evoca novamente a mesma obra na publicação Certificai-vos... como apoio para a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas .
Em 1971, mantém a referência à tradução de Greber na publicação revisada e melhorada, Ajuda ao Entendimento da Bíblia.
Em 1980, faz um pedido da última edição do Novo Testamento de Greber e de seu livro Comunicação com o Mundo Espiritual, confirmando seu recebimento em carta timbrada.
Em 1981, responde a uma leitora afirmando que não possui a edição mais recente, mas apenas a antiga - de 1937 - na qual consta o endereço antigo.
Em 1983, afirma em Perguntas dos Leitores que parou de utilizar a tradução de Greber após tomar conhecimento que a obra era 'psicografada', na edição de 1980 - a mesma que negou possuir na correspondência a Helen McAllister.
À base dos eventos acima descritos, podemos estabelecer as seguintes hipóteses:
Os redatores da Sociedade Torre de Vigia não são rigorosos na verificação das credenciais das fontes citadas, antes de usá-las em apoio de suas doutrinas. Isto põe em cheque a credibilidade de suas citações.
Os redatores sabem da origem objetável das citações, mas, mesmo assim, as publicam para dar crédito às suas doutrinas. Isto põe em cheque sua honestidade.
Os redatores faltam para com a verdade quando ela é danosa à reputação da organização. Isto seria parte da assim chamada "Estratégia Teocrática de Guerra" - mencionada em A Sentinela de 1/5/1957, p. 285 (em inglês) - um artifício que visa a confundir os 'opositores', ocultando-lhes a verdade.
Cremos que qualquer uma das três hipóteses acima depõe seriamente quanto à imagem moral daquela que sustenta ser "a única genuína organização cristã na atualidade". É claro, restaria ainda uma última hipótese, embora pouco provável - tudo não passaria de um engano, isto é, algum redator colocou por equívoco o nome de Johannes Greber na lista de referências sem consultar o artigo de 1956 - portanto, sem se assegurar de suas credenciais antes de publicar seu nome - e outros só copiaram a citação, repetindo o erro. Se isso for verdade, então cai por terra a tese - sustentada até hoje pela organização - de que tudo o que é publicado pela Sociedade Torre de Vigia é orientado pelo Espírito Santo e fornecido como 'alimento espiritual' puro e no 'tempo apropriado'. Insistir com essa teoria após tantas trapalhadas só resultaria em escárnio sobre o Espírito Santo, já que, sob 'orientação' dele, não se poderia chegar a erros crassos.
Em face das contínuas citações de Johannes Greber por parte da Sociedade Torre de Vigia, no tocante à tradução de João 1:1, achamos conveniente verificar se havia mais pontos em comum entre as doutrinas dele e aquelas divulgadas na era Rutherford, quando tanto Greber quanto o segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia estavam em plena atividade. A doutrina de Greber acha-se registrada em seu livro Comunicação com o Mundo Espiritual (1932) e as de Rutherford , na literatura que ele publicou de 1917 a 1942. Os resultados são surpreendentes:
a) Ambos diziam receber instruções do mundo espiritual - Greber, dos 'espíritos bons' e Rutherford, dos 'anjos'.
b) Ambos ensinavam que Deus tem um corpo e, portanto, não é onipresente (A Idade de Ouro de 16/1/1924, p. 253).
c) Ambos ensinavam que Deus não é onisciente, delegando a criaturas celestiais a incumbência de observar e registrar ações e características humanas (Consolação de 23/3/1938, p. 4).
d) Ambos rejeitavam totalmente a doutrina da trindade (Riquezas, 1936, pp. 185, 188).
e) Ambos ensinavam que Cristo foi a primeira criação de Deus (A Harpa de Deus, 1921, p. 98).
f) Ambos ensinavam que os anjos Miguel e Lúcifer eram irmãos (A Sentinela de 1/3/1932, p. 76).
g) Ambos ensinavam que há salvação para demônios (A Idade de Ouro de 9/5/1923, p. 508 e 30/3/1932, p. 390).
h) Ambos ensinavam que Cristo não ressuscitou em seu corpo carnal, mas materializou-se e apareceu àqueles que o seguiam (A Harpa de Deus, 1921, pp. 166-168).
i) Ambos rejeitavam completamente a doutrina do inferno de fogo (Criação, 1927, p. 273).
j) Ambos defendiam a tese de que houve uma adulteração do texto de Mateus 27: 52,53 (A Idade de Ouro de 17/4/1929, p. 478)
k) Ambos ensinavam que as verdades de Cristo foram obscurecidas e seriam restauradas no devido tempo (A Idade de Ouro de 21/8/1929, pp. 761, 762).
Tantas similaridades entre os ensinos de Rutherford - os quais ele dizia provirem dos 'anjos' - e os ensinos de Greber - os quaiis ele dizia provirem de 'espíritos bons' - levaram alguns investigadores da história da Sociedade Torre de Vigia a estabelecer a tese de que ambos - e não apenas Greber - eram médiuns, afinal de contas, diversos de seus ensinos básicos eram idênticos e oriundos - de acordo com as declarações deles próprios - do plano espiritual. Estariam recebendo 'instruções' da mesma fonte?
O livro Anjos e Mulheres (1924) e o Novo Testamento de Johannes Greber (1937) não são as únicas obras 'psicografadas' que foram endossadas pelas Testemunhas de Jeová. Em uma publicação menos conhecida, a Tradução Interlinear do Reino (1985), pp. 1139 e 1140, outra 'autoridade' em grego é mencionada como fonte de apoio para a tradução de João 1:1. Trata-se de John S. Thompson. Uma consulta à obra dele, The Monotessaron, or The Gospel History, According to the Four Evangelists (1829), revela que toda sua inspiração provinha do mundo espiritual. Mais um incidente com o ocultismo...
Até que ponto a Sociedade Torre de Vigia tinha consciência da mediunidade deste segundo autor, pode-se apenas conjeturar. Todavia, fica bem evidente que, na sôfrega busca por apoio à sua forma bastante peculiar de traduzir certos textos bíblicos, a organização 'atropelou' as credenciais de suas fontes de apoio e acabou por 'atolar' várias vezes no 'pântano' do ocultismo, ao qual, paradoxalmente, se diz contrária em todos os sentidos. É como se o 'fantasma' de um passado distante teimasse em retornar...
[Resposta] ...como indicado no prefácio da edição de 1980 de 'O Novo Testamento' de Johannes Greber, este tradutor confiou no 'Mundo Espiritual de Deus' para... traduzir passagens difíceis... 'A Sentinela' julgou impróprio fazer uso de uma tradução que tem tal vínculo estreito com o espiritismo."

"Diz Johannes Greber no prólogo da sua tradução do Novo Testamento, direitos autorais de 1937: 'Eu mesmo fui sacerdote católico, e até os quarenta e oito anos de idade nem mesmo tinha crido na possibilidade da comunicação com o mundo dos espíritos de Deus. Veio, porém, o dia em que dei voluntariamente o primeiro passo para tal comunicação, e tive a experiência de coisas que me abalaram até as profundezas de minha alma... Minhas experiências estão relatadas num livro... A Comunicação com o Mundo Espiritual: Suas Leis e Finalidades'... No prefácio do seu livro... Greber disse: 'O mais destacado livro espírita é a Bíblia.' Sob essa impressão, Greber esforça-se para fazer que sua tradução do Novo Testamento soe bem espírita... É bem claro que os espíritos nos quais o ex-padre Greber crê lhe ajudaram na sua tradução."

Nenhum comentário:

Postar um comentário