segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

STV Ataca Intelectuais

O Ataque aos Intelectuais

M. James Penton

Junto com tais atitudes negativas em relação à 'juventude rebelde', modos populares de se vestir e de se apresentar, as Testemunhas de Jeová também adoptaram uma opinião desfavorável sobre todos aqueles dentre as suas fileiras que tivessem tendência para simpatizar com pontos de vista mais liberais em assuntos culturais e espirituais. Por vezes elas também se tornaram anti-intelectuais, de forma franca e chocante. Num artigo escrito por um missionário da Torre de Vigia em Hong Kong, a Awake! [Despertai!] de 8 de Setembro de 1968 disse:
Pode dizer-se que aqueles que pertencem às classes profissionais são bons exemplos dos frutos da 'educação superior'. Eles formam uma espécie de aristocracia do saber. Frequentemente são orgulhosos, alheios às necessidades das pessoas menos afortunadas, têm as suas próprias opiniões, são competitivos, independentes, e sem consideração pelos outros. Eles têm a ímpia teoria da evolução profundamente assimilada. Na opinião deles, as pessoas educadas, treinadas nas universidades e colleges, são a única esperança do progresso.
Por exemplo, quem substituiu o bom ensino moral da Bíblia pelas suas filosofias humanas? Não foram os clérigos profissionais? E quem são aqueles que hoje insistem em proceder a seu modo e menosprezam abertamente a autoridade da Palavra de Deus no assunto da santidade do sangue? Não são os médicos profissionais? Políticos, advogados, educadores, a maioria deles sem qualquer fé real na existência de Deus, não são eles o produto final da 'educação superior'?
Nesse mesmo artigo, outras pessoas com educação superior -- clérigos, professores, estudantes universitários -- foram culpados pelas 'demonstrações de violência, protestos e outras actividades sem controlo legal'. A revista Awake! [Despertai!] declarou: 'Certamente são aqueles homens com todas as vantagens da sua "educação superior" que inescrupulosamente usam os seus talentos para fazer avançar os seus planos de enriquecimento rápido à custa do homem da rua!'
Naturalmente, com tal 'alimento espiritual' vindo do 'escravo fiel e discreto', os estudantes universitários estavam sob uma tremenda pressão social para desistirem dos seus estudos, e pessoas jovens que se formavam na escola secundária eram igualmente confrontadas com uma grande pressão para não ingressarem em instituições de ensino superior. Ainda assim alguns fizeram-no e podiam apontar para o facto de a sociedade não ter estabelecido uma proibição absoluta sobre a universidade ou os estudos superiores. Contudo, quando a sociedade começou a apertar o seu controlo sobre a comunidade das Testemunhas, depois do falhanço de 1975, ela começou a fazer uma campanha silenciosa, talvez não intencional, contra muitas pessoas dentre as suas próprias fileiras que tinham educação superior. Estudantes universitários eram severamente criticados por tentarem construir carreiras 'neste velho mundo moribundo', e pessoas profissionais muitas vezes viram-se numa situação de desfavor perante superintendentes de circuito e de distrito.
Parte disto resultou de medo das ideias e actividades de indivíduos de mentalidade mais liberal, que tinham alguma proeminência na comunidade das Testemunhas devido à sua educação e ocupações seculares. Apesar das atitudes hostis, ou ambivalentes, na melhor das hipóteses, da sociedade em relação à educação superior, muitas Testemunhas comuns respeitavam os poucos médicos, advogados, dentistas, professores, farmacêuticos e cientistas que existiam nas suas congregações. Afinal, estas pessoas muitas vezes davam prestígio à religião e podia contar-se com elas para ajudar Testemunhas com menos instrução em vários problemas pessoais. Mas como muitas vezes eles eram os que criticavam mais abertamente o conservadorismo religioso que era prevalecente entre as Testemunhas de Jeová em todo o lado, eram frequentemente os alvos de severo criticismo pessoal vindo de anciãos intolerantes e de superintendentes de circuito. Além disso, eram por vezes vítimas do anti-intelectualismo e da inveja pessoal de alguns funcionários proeminentes da Torre de Vigia.
O ponto a que isto chegou é revelado no facto de mesmo apologistas da sociedade e das Testemunhas de Jeová terem sido atacados pelos seus esforços. Durante anos a sociedade tinha tomado uma atitude muito negativa em relação a praticamente todas as pessoas que queriam estudar as Testemunhas em profundidade. Quando, em 1943, Herbert Stroup procurou a assistência de N. H. Knorr para conseguir que Testemunhas individuais preenchessem questionários que ele tinha preparado para um estudo sociológico do movimento, Knorr respondeu: '[a] Sociedade não tem o tempo, nem tomará o tempo necessário para ajudá-lo na sua publicação acerca das Testemunhas de Jeová.'  Conforme observado anteriormente, William Cumberland teve o mesmo tipo de experiência na década de 1950. Com o passar dos anos, os líderes da Torre de Vigia começaram a ver algum valor em citar as obras de peritos, desde que estes tivessem coisas positivas a dizer sobre as Testemunhas.  Ainda assim, eles continuaram muito desconfiados de estudantes do movimento. Mesmo a Testemunha Marley Cole, que tinha publicado uma história 'aprovada', Jehovah's Witnesses: The New World Society [Testemunhas de Jeová: A Sociedade do Novo Mundo], sob apertada supervisão da Torre de Vigia,  tornou-se um tanto impopular junto de alguns funcionários da sociedade quando publicou independentemente um segundo livro (muito melhor) sobre as Testemunhas, intitulado Triumphant Kingdom [Reino Triunfante].  Contudo, Cole não ficou sob a censura severa que outros escritores Testemunhas experimentaram no fim da década de 1970 e princípios da década de 1980.
Por exemplo, quando Victor Blackwell escreveu O'er the Ramparts They Watched [Sobre os Muros Eles Observavam] um relato de casos em tribunal envolvendo Testemunhas nos Estados Unidos, ele tornou-se muito popular entre muitos dos seus irmãos. Mas o mesmo não aconteceu em relação ao corpo governante. Embora Blackwell defendesse já há muito tempo Testemunhas em tribunal praticamente de graça, ensinasse em Gileade e tivesse escrito para a Sociedade, foi acusado de tentar 'exaltar a si mesmo'. Brooklyn desencorajou Testemunhas de assistirem a reuniões públicas nas quais ele era convidado para falar; ele foi removido como ancião e chegou quase a ser desassociado.
Blackwell recebeu um tratamento melhor que uma Testemunha sueca, Ditlieb Felderer. Felderer fez extensas pesquisas e elaborou um manuscrito com uma história das Testemunhas de Jeová que, em particular, lançava uma luz muito boa sobre o Pastor Russell. Porém, quando ele a apresentou a Brooklyn, foi tratado com o que achou ser uma descortesia extrema e afastou-se. Mais tarde foi desassociado.
Tudo isto se enquadra na política da sociedade de desencorajar Testemunhas individuais de publicarem qualquer coisa relacionada com a sua fé. A atitude declarada da maioria dos altos funcionários da Torre de Vigia e do corpo governante em particular era que se algo precisava de ser publicado, a sociedade faria isso. Testemunhas que trabalhavam independentemente estavam assim em grave perigo de serem acusadas de 'tentar exaltar a si mesmas', tentar 'correr adiante da organização de Deus', ou tentar 'ganhar dinheiro' à custa dos irmãos. Assim, apesar de serem uma comunidade religiosa tão grande, as Testemunhas de Jeová produziram muito poucas pessoas para falar independentemente em seu favor durante a década de 1960 e início da década de 1970. Depois de 1976 tornou-se praticamente impossível escrever como investigador e Testemunha de Jeová sem correr o risco de ser 'disciplinado' pela Sociedade Torre de Vigia ou algum dos seus agentes.
Embora a política da Sociedade de desencorajar pesquisa e publicação independente tenha sem dúvida sido causada por uma atitude de arrogância espiritual, havia outros factores envolvidos. Ao longo dos anos os líderes da Torre de Vigia tinham criado uma história idealizada do movimento dos Estudantes da Bíblia/Testemunhas através da distorção e supressão de muitos factos históricos embaraçosos. Embora o Pastor Russell acreditasse que 1914 marcaria o fim do mundo então existente, hoje a Sociedade Torre de Vigia faz parecer que ele predisse que esse ano seria o início dos 'últimos dias'. Durante o fim da década de 1920 e início da década de 1930, a sociedade deixou de publicar estatísticas sobre a assistência ao memorial, sem dúvida porque essas estatísticas teriam demonstrado a quantidade de pessoas que nesse tempo estavam a abandonar o movimento. Jehovah's Witnesses in the Divine Purpose [As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino] e o livro de Alexander H. Macmillan intitulado Faith on the March [Fé em Marcha] apresentaram história falsificada, em particular no que respeita ao cisma da Torre de Vigia de 1917. Tal como tinha feito durante décadas, a sociedade continuou a esconder os seus fracassos proféticos passados como se nunca tivessem existido. Por isso, as Testemunhas de Jeová comuns estavam quase totalmente na ignorância destes factos e a sociedade não tinha qualquer desejo de os esclarecer. Assim, a sociedade fez o que pôde para proibir a pesquisa independente feita por Testemunhas. Ainda assim, durante a década de 1970 vários profissionais, académicos e estudiosos autodidactas das Testemunhas começaram a investigar a história, as doutrinas e as práticas das Testemunhas, com consequências altamente negativas para a estrutura de poder da Torre de Vigia.
Em primeiro lugar, no início da década de 1970, Chris Christenson, de Vancouver, Colúmbia Britânica, começou a questionar a autoridade do corpo governante quanto às práticas de desassociação das Testemunhas. Consequentemente, Christenson, que tinha contribuído com matéria de pesquisa para o estudo alegórico e tipológico de Ezequiel feito pela sociedade no livro 'As Nações Terão de Saber que Eu Sou Jeová' -- Como?, envolveu-se numa campanha para reformar as Testemunhas de Jeová a partir de dentro. Durante um certo período de tempo, ele censurou abertamente o corpo governante por causa de muitas das suas práticas, escreveu um ensaio muito extenso acerca da desassociação e, junto com várias Testemunhas anónimas, pôs em circulação milhares de cópias de um documento conhecido como 'The Pronouncements' ['Os Pronunciamentos'], que questionava muitos ensinos das Testemunhas. Como seria de esperar, estas actividades levaram à sua desassociação em 1972,  mas as actividades dele tiveram um impacto pequeno embora significativo tanto no Canadá como nos Estados Unidos.
Na parte do meio-oeste dos Estados Unidos, o Dr. Randy Wysong, um veterinário, instrutor num college e estudioso criacionista, suscitou sinceramente junto de co-anciãos uma série de perguntas baseadas nos 'Pronunciamentos' e foi vítima de uma campanha de rumores entre os seus companheiros Testemunhas. Posteriormente Wysong foi removido do cargo de ancião e, quando apelou para Brooklyn, a sociedade recusou-se a responder às cartas dele. Algum tempo depois, ele e a sua família renunciaram à religião das Testemunhas de Jeová com grande ressentimento.
Noutro caso, Carl Olof Jonsson, uma Testemunha sueca bem instruída, ficou preocupado com a exactidão da 'cronologia bíblica' da sociedade, que é usada para 'provar' que os Tempos dos Gentios cobrem um período de 2.520 anos desde 607 AC até AD 1914. Em resultado disso, Jonsson iniciou um estudo cuidadoso sobre a cronologia do Médio-Oriente da antiguidade, remontando ao oitavo século AC e descobriu que a afirmação da sociedade segundo a qual Jerusalém caiu perante Nabucodonosor da Babilónia em 607 AC é histórica, arqueológica e astronomicamente indefensável. Depois ele preparou cuidadosamente um documento dactilografado sobre as suas descobertas, em inglês, intitulado 'The Gentile Times Reconsidered' ['Os Tempos dos Gentios Reconsiderados'] e, em 1977, submeteu-o lealmente a Brooklyn para análise e comentário.
A princípio a sociedade indicou que examinaria e avaliaria o documento de Jonsson. Mas pouco tempo depois a sociedade começou uma campanha de insinuações contra ele, que teve eco na Sentinela. Em resultado disso, ele sentiu-se compelido a renunciar ao cargo de ancião e em Julho de 1982 foi desassociado como sendo desleal à sociedade. A história dele foi contada na imprensa sueca.
É claro que Jonsson foi encarado pela sociedade como sendo muito perigoso. Se o manuscrito dele se tornasse conhecido em larga escala entre as Testemunhas de Jeová, não apenas a cronologia da Torre de Vigia teria de ser abandonada ou pelo menos sofrer uma grande revisão mas, igualmente importante, a própria base da autoridade do corpo governante como superintendente espiritual colectivo das Testemunhas de Jeová seria destruída.
Este facto depressa se tornou óbvio. Embora Jonsson se tivesse aproximado da sociedade enquanto investigador em vez de reformista, ele tinha posto em circulação algumas cópias de 'The Gentile Times Reconsidered' ['Os Tempos dos Gentios Reconsiderados'] junto de certos amigos intelectuais, Testemunhas. Infelizmente para a Sociedade Torre de Vigia, algumas destas cópias foram fotocopiadas e enviadas para lugares tão longínquos como a América do Sul, Austrália e Canadá. E nestes dois últimos lugares as descobertas de Jonsson tiveram consequências. Na Austrália, por exemplo, várias Testemunhas que estavam a questionar a cronologia da sociedade ficaram fortalecidas nas suas dúvidas ao lerem 'The Gentile Times Reconsidered' ['Os Tempos dos Gentios Reconsiderados']. Mais tarde, algumas delas saíram das Testemunhas de Jeová para se tornarem Adventistas do Sétimo Dia.  No Canadá, os resultados não foram tão rápidos, mas o documento de Jonsson também foi um factor significativo em surtos de dissidência por todo o país no início da década de 1980.
É pois evidente que a sociedade tinha motivos de sobra para recear as actividades de investigadores Testemunhas. Os líderes das Testemunhas estavam a ser postos ao corrente do facto de muitos dos seus ensinos fundamentais não poderem suportar um rigoroso escrutínio histórico e científico. No entanto, no seu zelo de suprimir praticamente todos os questionamentos entre os fiéis das Testemunhas, a sociedade sem dúvida foi demasiado longe. Ao tentarem parar os questionamentos e estudos independentes, os líderes das Testemunhas muitas vezes alienavam homens e mulheres hábeis a tal ponto que em alguns casos eles deixaram o movimento e começaram a opor-se-lhe abertamente ou começaram a desenvolver às ocultas actividades contra a autoridade da sociedade a partir de dentro da comunidade das Testemunhas. Porém, os líderes da sociedade pareciam desconhecer completamente a gravidade da situação e, no seu desejo de pôr termo a qualquer tipo de franqueza na expressão de opiniões ou independência mental, começaram a reprimir alguns dos seus apoiantes profissionais mais leais. Até mesmo W. Glen How, que fora nomeado conselheiro da Rainha devido ao seu notável registo de defesa das Testemunhas nos tribunais canadianos, foi em certo momento removido do cargo de ancião. Ele admitiu que se não se tivesse mudado de uma congregação para outra, teria sido desassociado 'absolutamente sem qualquer razão que justificasse isso'.
Naturalmente, esta supressão dos intelectuais tendia a reduzir o número de académicos e profissionais altamente treinados entre as Testemunhas de Jeová e, ao mesmo tempo, tornou mais difícil às Testemunhas converter novos membros entre as pessoas mais instruídas. Comentando esta situação, Havor Montague observa:
Muito poucas pessoas inteligentes ou com instrução se juntam às Testemunhas, e as poucas que se envolvem com as Testemunhas não ficam na organização. É difícil uma pessoa activa, inteligente e conhecedora dos factos continuar como Testemunha -- não porque as suas crenças sejam infundadas, mas porque a hierarquia da Torre de Vigia tem tendência a querer controlar a estrutura de crença dos seus membros mesmo em áreas insignificantes. Mesmo uma Testemunha que tente ser um apologista da sociedade não é tolerado. A hierarquia autoritária da Torre de Vigia proíbe a publicação de obras religiosas entre os membros e até desencoraja a maioria das investigações e discussões teológicas. As Testemunhas de Jeová são constantemente encorajadas a não 'correrem adiante da Sociedade', como se isso fosse possível segundo os próprios ensinos da Sociedade. Muitas Testemunhas, através da sua pesquisa bíblica independente, anteciparam mudanças importantes que a Sociedade mais tarde introduziu. Até esse tempo, aqueles que tiveram a audácia de mencionar os resultados da sua própria pesquisa têm sido muitas vezes severamente reprimidos, mesmo que a Sociedade possa mais tarde confirmar os resultados da sua pesquisa.
Uma Testemunha proeminente também declarou: 'Uma das coisas que me incomoda mais na Sociedade é a atitude incrivelmente arrogante dos que estão em Betel -- recusam-se a ouvir, recusam-se a raciocinar ou a dar crédito ao facto de os membros individuais terem uma mente [...] De facto, praticamente todas as pessoas que conheço e que são razoavelmente bem instruídas saíram das Testemunhas, apesar de existirem alguns membros brilhantes que, em certa altura, pertenciam ao movimento.'

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